O feijão é um alimento tradicionalmente consumido no Brasil, compõe a dieta da maioria das famílias. Essa cultura contribui significativamente para o agronegócio do país, isto pois seu cultivo tornou-se mais tecnificado e competitivo. No entanto, um dos grandes entraves ao cultivo do feijoeiro e a conscientização e adoção de sementes de feijão de qualidade pelos pequenos e grandes produtores.
Para tal, preparamos este artigo para abordar esse assunto, bem como discutir a aplicabilidade e a maneira correta de produzir sementes certificadas.
Vamos lá!
O feijão comum, também conhecido como Phaseolus vulgares L. é uma espécie cultivada e consumida em todo mundo. É um alimento rico em carboidratos (60%), proteínas (22%), aminoácidos, lipídios e sais minerais. O que demonstra sua importância nutricional e seu papel para a segurança alimentar em muitos países em desenvolvimento.
O Brasil é um dos países que mais produz feijão, segundo a CONAB este ano a produção alcançará cerca de 2,5 milhões de toneladas por hectare. Que certamente será voltada para suprir a demanda do mercado interno, que se encontra em torno de 2.9 milhões de toneladas por hectare.
Sendo assim, faz se necessário a importação de feijão de países como a Argentina, para suprir a demanda do mercado interno, e por isso é um produto ainda carente em exportações.
Tradicionalmente o feijão comum é cultivado por pequenos produtores, com contribuição de cerca de 70% da agricultura familiar, na sua grande maioria para a subsistência. No entanto, segundo a EMBRAPA arroz e feijão este cenário está dando lugar a cultivos irrigados, com controle fitossanitário, colheita mecanizada e maior aporte de insumos. Ou seja, muitos produtores estão investindo em grandes áreas de produção.
Contudo, práticas agrícolas outrora adotadas por muitos produtores de feijão, como a produção das próprias sementes, estão sendo substituídas pela compra de sementes de qualidade. Livre de contaminação fitossanitárias, fisiologicamente viáveis e que contribuía para a uniformidade de cultivo.
Sementes de feijão x Grãos de feijão
Quando o grão atinge a sua maturidade fisiológica, é recomendado a colheita independentemente da sua finalidade.
Isto pois, a grande diferença entre os grãos destinados a alimentação ou a semente está no processo de cultivo. Visto que, apenas sistemas de cultivos criteriosos podem assegurar ao agricultor sementes com vigor, sanidade e características agronômicas. Que permitem melhor planejamento de tratos culturais, estimativas de produção e qualidade no pós-colheita.
No entanto, um levantamento realizado pela EMBRAPA arroz e feijão demonstra que o percentual de produtores que utilizam sementes certificadas de feijão comum não ultrapassa 28%. Mesmo se observado nos estados mais produtivos como Paraná, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e São Paulo.
Sendo assim, a maioria dos produtores optam por utilizar materiais retirados de campos de produção de grãos, sementes que podem estar contaminadas por pragas, doenças e sementes de ervas daninhas. Podem ter baixo vigor, podem apresentar características que dificultam os tratos culturais como porte da planta, ciclo ou susceptibilidade a doenças.
Contudo, a adoção de sementes certificadas traz ao agricultor o conforto de conhecer o material de trabalho, a segurança de utilizar cultivares melhoradas, com características que pode facilitar tratos culturais.
Além disso, podem utilizar materiais resistentes a doenças comum em feijão como Mosaico comum, ferrugem, Antracnose e outras. Por fim, livre de contaminantes que podem comprometer o campo de produção ou até mesmo a qualidade final dos grãos.
Contudo apesar dos benefícios da utilização sementes de feijão comum, o número de produtores que aderem essa tecnologia é muito baixa e pode estar associado:
- Falta de informação
- Baixa oferta de sementes no mercado
Características necessárias para a certificação de sementes de feijão
Pureza genética
As sementes certificadas devem apresentar procedência conhecida, o que permite ao agricultor conhecer as características da planta como ciclo, hábito de crescimento, arquitetura, resistência e/ou tolerância a pragas e doenças, cor e brilho do tegumento bem como o potencial produtivo da cultura. Tornando os sistemas de cultivo mais previsíveis, permitindo a organização dos tratos culturais, contribuindo para a uniformidade de plantio e produtividade.
Pureza física
Os lotes de sementes devem estar livres de impurezas como partículas de solo, restos vegetais, pedras, sementes danificadas, sementes de plantas invasoras ou de outras espécies. Que podem ser condutoras de pragas e doenças ou trazer gastos adicionais ao produtor. Por exemplo Rhizoctonia Solani, Sclerotium Rolfsii e Sclerotinia sclerotiorum são patógenos que podem sobreviver por muitos anos em partículas do solo ou Colletotrichum Lindemuthianum que podem permanecer em restos culturais.
Qualidade fisiológica
As sementes também devem apresentar capacidade potencial de gerar plantas saudáveis e vigorosas. Para conhecer está características são necessários testes de germinação e determinação do vigor da semente. Este último, trata-se da soma de características de germinação e emergência de plântulas.
Qualidade fitossanitária
A semente é considerada um forte aliado a disseminação dos principais patógenos do feijoeiro, como fungos, bactérias e vírus, alguns deles podem se instalar por anos nas sementes e inviabilizar áreas para as próximas safras. Os esporos de fungos como Colletotrichum Lindemuthianum podem sobreviver por até 15 anos nas sementes e o vírus do mosaico comum e da bactéria X Axonopholis pv. Phaseolis podem sobreviver por até 30 anos.
O processo de contaminação das sementes pode acontecer no campo ou no pós-colheita, pois alguns patógenos infectam a semente é outros liberam estruturas de propagação como esporos. Sendo assim, os patógenos podem inviabilizar as sementes, contaminar as plântulas e contaminar as plantas de forma sistêmica ou tornar-se fonte de inoculo para a área de cultivo (não sistêmica).
Sendo assim, nas sementes os patógenos podem infectar (contaminar o tegumento) ou infestar o lote de sementes ou ainda causar a perda de vigor das sementes. Uma vez instalados no lote de sementes. Em condições favoráveis se desenvolve e infectam as plantas de forma sistêmica (mosaico comum e X Axonopholis pv. Phaseolis) ou não sistêmica (Colletotrichum Lindemuthianum) e pode causar epidemias graves e reduzir drasticamente a produtividade.
Segundo um informe da EMBRAPA as principais doenças transmitidas pelas sementes são: antracnose, crestamento-bacteriano-comum, mancha-angular, mofo-branco, mancha de Ascochyta, mancha de Alternaria, mosaico-comum, mela, murcha de Curtobacterium, podridão do colo, murcha de Fusarium, podridão cinzenta do caule ou macrofomina, podridão-radicular-seca e podridão-radicular/tombamento.
Como tornar-se produtor de sementes de feijão comum?
Para que o agricultor se torne um produtor de sementes certificadas de feijão comum inicialmente é preciso que o produtor entenda a importância da sua atividade na cadeia produtiva do feijoeiro. Além da necessidade de controle e manutenção da qualidade das sementes, garantindo ao produtor/consumidor um produto de procedência conhecida e livre de contaminantes.
Para tal, é necessário que o agricultor faça um cadastro no RENASEM (Registro Nacional de Sementes e Mudas), órgão que fica sob a competência do MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento).
Sendo assim, esses órgãos tornam-se responsáveis pelas inspeções e fiscalização do material comercializado, para garantir ao consumidor um produto de qualidade. No entanto, apenas agricultores familiares, assentados de reforma agrária, indígenas e produtores de sementes de cultivar local, tradicional e crioula.
Suas normativas contam com instruções para produção, comercialização e utilização de sementes; garantem ao consumidor/produtor padrões mínimos de qualidade das sementes. Sendo assim, as sementes certificadas pelo MAPA, podem ser sementes básica ou sementes certificadas de primeira (C1) ou segunda (C2) geração.
Etapas para obtenção de sementes de feijão certificadas
- Deve-se escolher áreas de cultivo deve ser criteriosa evitando-se áreas que já foram utilizadas para cultivar feijão ou com muita incidência das principais pragas e doenças da cultura. O cultivo pode ser direto ou convencional, no entanto o importante é evitar fontes de contaminação de patógenos que podem permanecer na pal
- Assim como o cultivo do feijão comum para grãos, o cultivo para sementes pode ser realizado no período das águas (agosto a março), seca (janeiro a julho) e safrinha (maio a outubro).
- Para a certificação no RENASEM o produtor deve utilizar sementes de origem conhecida (Figura 1) com qualidade fisiológica e sanitária. Com preferência para as sementes genética, básica e por fim C1.
Tabela 1
Tabela 1: Controle de gerações das categorias de semente. Sendo C1 semente certificada de primeira geração, C2 semente certificada de segunda geração, S1 não certificada de primeira geração e S2 não certificada de segunda geração.
Origem das sementes |
Categoria dos possíveis sementes geradas |
Genética | Básica, C1, C2, S1e S2 |
Básica | C1, C2, S1e S2 |
C1 | C2, S1e S2 |
C2 | S1e S2 |
S1 | S2 |
Fonte: Informe IMCAPER.
- Todos os equipamentos utilizados no plantio, tratamento de sementes, colheita e trilha devem ser limpos para a remoção de restos culturais. Como sementes de feijão e de plantas daninhas, solo e qualquer outro contaminante, para evitar a contaminação das sementes e do campo de cultivo.
- As sementes podem ser tratadas com fungicidas (protetores e sistêmicos) e inseticidas para garantir o controle das pragas e doenças, principalmente na fase inicial.
- O espaçamento entre plantas e número final de plantas deve favorecer as vistorias de campo, realização de roguing (elimina plantas doentes) e o controle de doenças.
- As vistorias no campo são realizadas ao longo de todo ciclo da cultura, normalmente são realizadas na floração e na pré colheita. Essas vistorias são necessárias para verificar se o campo atende aos padrões mínimos pré-estabelecidos pelo MAPA.
Mais alguns pontos:
- No stand de cultivo deve-se evitar a presença de plantas atípicas, outras espécies de plantas e doenças. São consideradas plantas atípicas, plantas com características diferentes da esperada para a cultivar. Por exemplo cor do hipocótilo durante a fase de emergência, a cor da flor na fase de floração e a cor, forma e tamanho das vagens na fase de pré colheita.
- A amostragem dá área de cultivo deve ser realizada dividindo o campo para a obtenção de subamostras. Sendo assim, a incidência de doenças e plantas atípicas devem estar no intervalo aceito pelo MAPA. Se necessário, pode ser realizado o roquing, sendo necessária uma nova amostrag As recomendações serão apresentadas na Tabela 2.
- Adubação, controle de invasoras, manejo de pragas e doenças e irrigação são prática que devem ser realizadas assim como nos campos de produção de grãos.
- Para manter a qualidade das sementes a colheita deve ser realizada quando as sementes atingir a maturação fisiológica e maturação de colheita. Ou seja, teor de água recomendado para a cultura. A secagem deve ser realizada para garantir a qualidade das sementes.
- Para a trilha, as sementes devem estar com teor de água entre 15% e 17%, isto porque a umidade acima ou abaixo do recomendado pode causar danificação das sementes. Além disso, deve-se realizar a trilha preferencialmente de manhã. Entre 9h e 12h ou à tarde entre 15h e 19h para evitar danos a semente.
- O processamento da semente após a colheita envolve a secagem, o beneficiamento, o tratamento e a embalagem. Para tal todos os equipamentos devem ser limpos para evitar contaminação.
Tabela 2
A Tabela 2 mostra os critérios avaliados a campo e em laboratório para a certificação das sementes. Segundo os critérios avaliados é possível observar que a aquisição de plantas certificadas garante aos produtores de feijão sementes de variedades mais produtivas. Com pureza genética, vigorosa, livre de sementes de plantas daninhas e com baixo risco de introdução de patógenos na área de cultivo. Mas vale lembrar que ainda é preciso avaliações mais fitossanitárias mais criteriosas para garantir a completa pureza fitossanitária.
Tabela 2. Padrões para a produção de sementes de feijão (Phaseolus vulgaris L.), conforme Instrução Normativa Nº 45 de 17 de setembro de 2013/MAPA, cedidas pelo site da EMBRAPA.
Critérios de campo | |||||
Básicas | C1 | C2 | S1 e S2 | ||
Vistorias | Área máxima da gleba (ha) | 50 | 50 | 50 | 100 |
Número mínimo de vistorias | 2 | 2 | 2 | 2 | |
Número mínimo de subamostras | 6 | 6 | 6 | 6 | |
Número de plantas por subamostra | 1000 | 500 | 375 | 250 | |
População de amostra | 6000 | 3000 | 2250 | 1500 | |
Rotação(ciclo agrícola) | – | – | – | – | |
Isolamento ou bordadura (mínimo em metros) | 3 | 3 | 3 | 3 | |
Plantas atípicas/fora de tipo (n° máximo) | 3/6000 | 3/3000 | 3/25000 | 3/1500 | |
Outras espécies de plantas | – | – | – | – | |
Pragas | Antracnose (Colletotrichum lindemuthianum) (nº máximo de vagem contaminada/ população de amostra de vagem | 3/600 | 3/300 | 3/300 | 3/100 |
Crestamento Bacteriano (Xanthomonas axonopodis pv.phaseoli)(nº máximo de plantas/população de amostra) | 3/600 | 3/300 | 3/300 | 3/100 | |
Mofo Branco (Sclerotinia sclerotiorum) (nº máximo de plantas/população de amostra | 0 | 0 | 0 | 0 | |
Critérios das sementes | |||||
Pureza | Semente pura (% mínima) | 0,98 | 0,98 | 0,98 | 0,98 |
Material inerte (%) | – | – | – | – | |
Outras sementes (% máxima) | 0,0 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | |
Determinação de outras sementes por número (nº máximo) | Semente de outra espécie cultivada | 0 | 0 | 1 | 1 |
Semente silvestre | 0 | 1 | 1 | 1 | |
Semente nociva tolerada | 0 | 1 | 1 | 1 | |
Semente nociva proibida | 0 | 0 | 0 | 0 | |
Sementes infestadas (% máxima) | 3 | 3 | 3 | 3 | |
Sementes de outra cultivar de grupo de cores diferentes | 2 | 4 | 6 | 8 | |
Germinação (% mínima) | 70 | 80 | 80 | 80 | |
Validade do teste de germinação (máxima em meses) | 6 | 6 | 6 | 6 | |
Validade de reanálise do teste de germinação (máxima em meses) | 4 | 4 | 4 | 4 |
Fonte: Embrapa.
Conclusão
Por fim, certamente a utilização de sementes certificadas é uma tecnologia que contribuirá para o planejamento e aumento da produção nacional. Trazendo para o grande e pequeno agricultor cultivares melhoradas e livre de contaminantes.
No entanto, existe um baixo interesse dos agricultores em adquirir sementes certificadas ou produzi-las, em parte pela falta de conhecimento, sendo esse artigo um veículo de propagação desssa tecnologia.
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Escrito por Dinorah Moraes.