Uma pesquisa divulgada nesta semana deve permitir um melhor entendimento e desenvolvimento de alternativas de controle da ferrugem asiática, considerada, atualmente, a principal doença da sojicultura. Um consórcio envolvendo empresas, universidade e institutos do Brasil e do exterior anunciou ter mapeado o genoma do fungo causador da ferrugem, o Phakopsora pachyrhizi.
O consórcio é composto por 12 instituições e empresas. Em nível global, o trabalho foi apresentado na França, na segunda-feira (30/9). E, na última quarta-feira (02/10), foi feita uma apresentação, em São Paulo (SP), por representantes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Bayer, que integram o grupo e têm uma parceria de pesquisa desde 2016 que incluía entre as metas o sequenciamento do genoma do fungo da ferrugem.
A partir de agora, os dados ficam disponíveis para a comunidade científica. Os genomas de referência foram obtidos a partir de três amostras, duas do Brasil (extraídas em Minas Gerais e Mato Grosso) e uma dos Estados Unidos. De acordo com os pesquisadores, foram sequenciados 1,057 bilhão de pares de bases de DNA, um dos maiores entre fungos e outros patógenos vegetais. A quantidade de genes é de cerca de 20,7 mil.
Durante a apresentação, a pesquisadora da área de genética da Embrapa Soja, com sede em Londrina (PR), Francismar Marcelino Guimarães, que participou do estudo, destacou que não foi a primeira tentativa de se mapear o genoma do Phakopsora pachyrhizi. Um dos fatores que, segundo ela, possibilitou o sucesso dessa pesquisa foi desenvolvimento da tecnologia de sequenciamento de DNA.
Segundo Francismar, o fungo possui alto potencial evolutivo. Significa que ele faz muitas mutações, aumentando a sua variabilidade genética. Além disso, tem uma grande capacidade reprodutiva, podendo aumentar rapidamente a sua população no ambiente. E como é altamente dependente do hospedeiro, ou seja, a soja, o que dificulta seu cultivo e manipulação em laboratório.
“Esse fungo tem um genoma montado bem grande. A cada dia, estamos compreendendo um pouco mais de onde vem tudo isso, começamos a entender melhor o arsenal que esse fungo tem”, explicou.
Segundo a pesquisadora, a resistência do fungo aos meios de controle existentes está ligada à sua alta capacidade de se reproduzir e de modificar seu DNA. Através do genoma, ela acredita ser possível conhecer melhor esses processos. Além do mapeamento, foi feito o chamado atlas de expressão, chamado transcriptograma, para saber quais partes do fungo se manifestam em cada fase de seu ciclo de vida.
“Conseguimos identificar as rotas biológicas que esse fungo tem. Estamos acessando um novo conhecimento neste momento. Há muito o que se fazer até que se chegue a uma aplicação prática. Mas é um grande passo”, acredita.
Com três genomas de referência, um passo seguinte é o chamado ressequenciamento. Para isso, serão usadas, inicialmente, amostras de posse da própria Embrapa que compreendem um período de desde 1972 até 2017. Mas é um trabalho sem fim, reconheceu Francismar. Como a cada ano são coletadas novas amostras de fungo, tendem a ser sequenciadas no futuro.
A diferença é que esse trabalho deve ficar mais rápido e menos custoso para os cientistas daqui para frente. A partir do DNA completo, podem ser definidos marcadores com os quais apenas parcelas mais relevantes ou que evidenciem uma determinada característica poderão ser identificadas e avaliadas.
“Eu posso fazer um sequenciamento sobre um possível local que está mudando. Por isso, todo ano recebemos amostras. É um trabalho sem fim. Como o fungo vai estar mudando, estaremos sempre amostrando e acompanhando essa evolução”, explicou.
Médio e Longo Prazo
O mapeamento do genoma do fungo causador da ferrugem da soja chega como um alento em um cenário de constante preocupação com a perda de eficiência dos mecanismos de controle da doença. A partir do conhecimento sobre o patógeno, associado ao que tem sobre a própria soja, cujo genoma já foi mapeado, a expectativa é de tornar mais eficiente o desenvolvimento de novas soluções, especialmente entre fungicidas e cultivares mais resistentes.
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“Outras fases vão se desdobrar. Temos uma grande oportunidade através da obtenção do genoma. Buscaremos novos mecanismos de ação ou vamos entender se os atuais serão eficazes daqui cinco ou dez anos”, afirmou o líder de soluções para soja e algodão da Bayer para a América Latina, Rogério Bortolan, para quem os efeitos dessa pesquisa é sobre a sojicultura global.
Do ponto de vista de uma empresa como a Bayer, que atua nos segmentos de sementes e químicos, o conhecimento sobre o genoma da soja e de seu principal inimigo contribui para melhorar as decisões de investimentos, pontuou Bortolan. Será possível avaliar a possibilidade de interromper uma pesquisa com menor expectativa de sucesso e ter foco em outra mais promissora.
Já para uma instituição como a Embrapa, pode contribuir para o processo de melhoramento genético da soja. A pesquisadora Francismar Marcelino explicou que a planta tem uma capacidade de mutação bem menor que a do fungo. Logo, pela diferença de variabilidade genética, é menos capaz de desenvolver mecanismos de defesa do que seu inimigo de encontrar meios de ataque.
Sabendo de que forma o fungo ataca a planta, uma possibilidade é melhorar a variabilidade genética da soja e explorar seus mecanismos de resistência à ferrugem. Através da biotecnologia, com transgenia ou edição genômica, por exemplo, seria possível desenvolver variedades com melhor resposta de defesa.
“Se a gente conhece melhor o arsenal do fungo, por que não explorar novos variantes em outras espécies que possam reconhecer esses genes do fungo? Tem ‘n’ possibilidades que vamos implantar ao longo do tempo”, explicou.
“O sequenciamento do genoma era uma das metas do projeto da Embrapa com a Bayer. Foi uma grande conquista, mas não para por aqui. Temos que continuar explorando esses dados e tem muita coisa para fazer”, ponderou o chefe de pesquisa da Embrapa Soja, Ricardo Abdenoor.
Desta forma, nenhuma tecnologia nova desenvolvida a partir dessa pesquisa deve estar disponível para o produtor no campo antes de, ao menos, dez anos, reconhecem os especialistas. As possibilidades que essa descoberta traz para o futuro do controle da ferrugem da soja estão sendo avaliadas. E deve-se levar em conta também o tempo necessário para se desenvolver, registrar e obter a aprovação para uma nova semente ou químico.
“Bayer e Embrapa vão começar a trabalhar na pesquisa de novas soluções. Com esse tipo de informação, a gente consegue reduzir o tempo de pesquisa, mas tem a barreira regulatória”, pontuou Dirceu Ferreira Junior, do centro de expertise de Agricultura tropical da multinacional.
“A luz que isso (genoma) trouxe para o manejo da doença é fantástica. Temos condições de seguir nesse caminho com mais assertividade. Mas temos um longo caminho até conseguir novos resultados e mecanismos para controlar a ferrugem”, avaliou Maurício Meyer, fitopatologista da Embrapa Soja.
Identificada no Brasil em 2001, a ferrugem asiática da soja demanda custos de controle estimados em cerca de US$ 2 bilhões por safra. Pode causa perdas de até 80% em uma lavoura da oleaginosa. Atualmente, seu manejo da doença se concentra no que Meyer chamou de tripé: o cumprimento do vazio sanitário, o desenvolvimento de cultivares e controle químico com fungicidas.
Meyer não acredita em uma mudança desse sistema de manejo no curto prazo. E destacou que não adianta ter as melhores sementes e produtos químicos sem fazer o monitoramento constante da lavoura. “Precisamos manter a eficiência que nós temos hoje”, alertou.
Fonte: Globo Rural