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Pesquisa realizada pela Embrapa Agropecuária Oeste, na região sul do Mato Grosso do Sul comprovou que nessa região quanto menos manejo for feito com o palhiço, menor será a infestação de plantas daninhas e maior a produtividade do canavial. Por isso, os especialistas recomendam que o palhiço seja mantido distribuído em área total, sem necessidade de manejo.

Palhiço é o nome dado a cobertura de resíduo vegetal presente nos canaviais após a colheita. “A colheita mecanizada da cana-de-açúcar está cada vez mais presente nos sistemas de produção nacional. No sistema de colheita mecanizada, sem queima, as folhas, ponteiros e perfilhos mortos são cortados, triturados e lançados sobre a superfície do solo, forma-se essa, denominada palhiço”, explica o pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, José Rubens Almeida Leme Filho.

A palhada remanescente, ou seja, o palhiço serve como cobertura do solo, maximizando os benefícios proporcionados pelo aumento do teor de matéria orgânica. Além disso, ele contribui com a redução de perdas d´água por evapotranspiração, supressão de plantas daninhas, reciclagem de nutrientes e melhorias da qualidade microbiológica do solo. “Agronomicamente é desejável que haja a manutenção de pelo menos uma parte dos resíduos da colheita no solo”, explica José Rubens.

“A ideia de que o aleiramento contribui para acelerar o processo de brotação da cana-soca não é adequada, pois essa prática não repercute em maior produtividade das lavouras, apesar da aparência mais vigorosa dos experimentos, a pesquisa comprovou que houve, inclusive, um relativo prejuízo na produtividade”, saliente Rubens.

Tradição – Uma prática cultural muito comum nos canaviais do Sul do Mato Grosso do Sul é o aleiramento do palhiço, que consiste na remoção de uma parte do palhiço das linhas de cana, mantendo-se a cobertura de palhada apenas nas entrelinhas do canavial. Essa prática tem como objetivo aumentar a luminosidade na soqueira e evitar a proliferação de cigarrinhas.

Outra prática de manejo comumente utilizada na região é o enleiramento, ou seja, uma operação que reúne o palhiço de duas ou mais entrelinhas formando um leira, que será, então alternada com um ou mais entrelinhas descobertas. Essa estratégia de manejo é utilizada quando uma parte do palhiço ou sua totalidade demanda enfardamento e recolhimento.

Leme Filho explica que existe uma crença empírica de que quando se retira a palhada dos brotos iniciais de cana, durante o processo de brotação/perfilhamento da cana soca, ou seja, quando se realiza o aleiramento, haverá maior produtividade do canavial e acrescenta que “a prática do aleiramento é amplamente usada durante o processo de perfilhamento da cana soca, porém a pesquisa revelou que essa prática não contribui com aumento de produtividade e ainda prejudica, pois contribui com aumento da presença de plantas daninhas nos canaviais”.

Metodologia – Esses resultados são frutos de duas pesquisas realizada na Embrapa Agropecuária Oeste, em períodos distintos, em que um projeto visou a complementação dos resultados do outro.  As pesquisas foi realizada em experimento conduzido em Dourados (MS), em solo com 76% argila, onde foram avaliados o perfilhamento inicial, a população final de colmos e de açúcares em toneladas por hectare, de 14 variedades de cana, com e sem aleiramento do palhiço para aceleração do perfilhamento inicial, em duas épocas de colheita (maio e agosto) e em duas safras (ciclo da primeira soca de 2012 a 2013, e da segunda soca de 2013 a 2014). Leme Filho explica que a pesquisa conduzida pela Embrapa Agropecuária Oeste foi realizada em lavoura experimental localizada em Dourados, Mato Grosso do Sul, sem aplicação de herbicidas. Segundo ele, os resultados demonstraram que tanto o enleiramento quanto o aleiramento alteram o ambiente de desenvolvimento das plantas daninhas.

Plantas daninhas – O pesquisador da Embrapa Clima Temperado (Pelotas/RS), Germani Concenco explica que o controle de plantas daninhas é um dos desafios enfrentado pelo setor sucroalcooleiro e acrescenta “que quando não realizado adequadamente pode gerar perdas de produtividade comprometendo até 80% da produção”. Dados da Embrapa, revelam ainda que as operações para controle de plantas daninhas comprometem cerca de 8,4% dos custos de produção para a cana-planta e 6,1% para a cana-soca.

Na pesquisa conduzida por Concenco, a ocorrência de plantas daninhas foi quantificada por meio da densidade, ou seja, o número de plantas e do acúmulo de massa seca das plantas daninhas. Também foram considerados o valor de importância da espécie daninha em relação às demais presentes na área, esse cálculo é obtido como média ponderada das habilidades da espécie em se perpetuar, se distribuir na área e dominar as demais espécies. Desta forma, o valor de importância, descreve o grau de impacto de determinada espécie daninha sobre a cultura quando comparado com as demais plantas daninhas presentes na área.

Em função da ausência do controle químico no experimento, que é importante ferramenta para o manejo das invasoras em áreas de cana, a ocorrência de plantas daninhas aumentou muito de um ano para outro, o que era esperado. Porém, no segundo ano de cultivo, houve maior infestação de plantas daninhas nas áreas aleiradas (onde a palhada da cana foi retirada das linhas da cultura e acumulada nas entrelinhas) quando compradas com áreas não aleiradas.

“O leiteiro foi a espécie de planta daninha mais importante e presente nas duas lavouras Porém, a composição de espécies de plantas daninhas mudou na área aleirada e na área não aleirada (em que não foi feito nenhum tipo de manejo com o palhiço). Comprovamos que o aleiramento propiciou o surgimento das seguintes plantas daninhas: trapoeraba, capim marmelada, capim-amargoso, braquiarinha, capim colchão e corda-de-viola. Todas essas plantas daninhas estavam ausentes nas lavouras não manejadas, em que o palhiço não foi manejado. Assim, a pesquisa concluiu que o aleiramento não reduz a ocorrência absoluta de leiteiro e ainda ocasiona o aumento da infestação pelo aparecimento de outras plantas daninhas”, acrescenta ele.

O consultor especialista em adubação biológica, Herbert Del Petri, explica que o manejo da palha é muito importante para o desenvolvimento do canavial, especialmente quando se busca aumento de produtividade. “A vida biológica do solo, com presença de flora microbiana equilibrada é fundamental para que a mineralização da palha ocorra de forma adequada”, acrescenta Herbert.

De acordo com a experiência de 25 anos trabalhando em Usinas, em diversas regiões do Brasil, Herbert explica que o recolhimento de palhiço não é recomendado para todas as regiões e exemplifica que “em Goiás, por exemplo, a palha inibe a infestação da lagarta elasmo, gerando benefícios para os canaviais”.

O consultor Hebert concorda que a manutenção do palhiço nos canaviais contribui com o controle de plantas daninhas e acrescenta que a decisão de manter ou não o palhiço nos canaviais, após a colheita mecanizada, demanda cálculos específicos e avaliações que variam de acordo com o perfil da região. “No caso de uso de herbicidas, para o controle das plantas daninhas, é preciso levar em consideração a quantia presente de palhiço, afinal existem produtos que ultrapassam a palha e, acertar a dosagem necessária é muito importante”, acrescenta Hebert.

Dados da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP) revelam que a quantidade de palhada de canaviais colhidos sem queima varia de 10 a 30 Mg ha-1. Ainda segundo a UDOP, a palhada da cana-de-açúcar possui aproximadamente 140 kg de matéria seca por tonelada de colmo, o que corresponde a quase 1/3 do potencial energético da cana-de-açúcar. Diante desse amplo potencial energético, o palhiço serve como uma fonte de renda extra para as usinas, pois pode ser queimado em caldeiras para aumentar a geração de energia e pode ainda servir como matéria-prima para a produção de etanol de segunda geração.

Características regionais – O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar e Mato Grosso do Sul é responsável por cerca de 7% da produção canavieira nacional. Em 2018, a área cultivada com canaviais no Estado foi de 670 mil ha, com uma produtividade de 49,5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. Dados da Conab, revelam que na safra 2017/2018, a produção de cana no País foi de 633 milhões de toneladas, o que gerou 37 milhões de toneladas de açúcar e 27 bilhões de litros de etanol. Esses números fizeram com que o Estado ocupasse o quarto lugar em área cultivada com cana-de-açúcar, quando foram cultivados 8,7 milhões de hectares em todo país.

A ampla área territorial cultivada com cana-de-açúcar no Brasil, justifica a busca de tecnologias e inovações que possam contribuir com a redução dos custos operacionais nas lavouras. “Estamos constantemente pesquisando novas estratégias de manejo que sejam eficientes e que contribuam com aumento da produtividade nos canaviais. E identificamos que o aleiramento do palhiço, durante período de rebrota dos canaviais, prejudica a produtividade das lavouras e pode interferir no desenvolvimento das plantas daninhas”, saliente José Rubens.

Para a tomada de decisão sobre o recolhimento ou não do palhiço, a União dos Produtores de Bioenergia (UDOP) em seu Manual de Custos e Indicadores do Setor da Bioenergia esclarece que é fundamental uma avaliação técnica prévia, levando em consideração inúmeras informações, tais como: localização da unidade produtiva, raio médio, tipo de solo, clima, sistematização do solo, técnicas de plantio, impurezas minerais e instalações industriais disponíveis, entre outros. Assim, a tomada de decisão em relação ao manejo do palhiço deve ser feita com base no planejamento do canavial, respeitando as características regionais de cada lavoura.

O gerente executivo da Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul (Biosul), Érico Paredes destaca a relevância de não restringir a prática do aleiramento a um único cenário, levando em consideração as necessidades específicas de cada propriedade e salienta ainda que para outras finalidades o método de aleiramento do palhiço se mostra eficaz ao combate de cigarrinhas. “No Mato Grosso do Sul são praticadas as duas forma de manejo do palhiço. Algumas usinas, por exemplo, trabalham o aleiramento parcial para controle de pragas e o enleiramento também parcial para cogeração de energia, garantindo assim tanto a cobertura de solo quanto a utilização do palhiço para outras finalidades”, explica Paredes.

Fonte: Embrapa